segunda-feira, 30 de maio de 2016

Um corrupio de emoções na vida dos idosos (EFA 16)




REPORTAGEM

Lar de São Martinho 


A ida para o lar, nos nossos dias, ainda não é bem encarada, muito se deve ao facto de em Portugal ainda se ter a visão de que os lares são “depósitos de velhos”, onde os nossos idosos são abandonados pelas famílias para ali acabarem as suas vidas, sem qualquer controlo sobre si próprios.
No lar de S. Martinho, situado numa pequena aldeia nos arredores da cidade de Viseu, como também é conhecido o lar desta IPSS, Instituição Particular de Solidariedade Social, Coutoense, vive-se um dia de cada vez. Há quem tenha já quase desistido de viver e quem tenha encontrado o verdadeiro amor. Todos têm noção que o último dia chegará ali, dentro daquelas paredes vazias e despidas das histórias das suas vidas, mas cheias de conforto e de carinho de quem lhes não é nada.



A Associação de Solidariedade Social, Cultural e Recreativa Coutoense, nasceu em 1983 com a finalidade de criar e manter o espírito de fraterna amizade e solidariedade entre os associados.
Atualmente a Associação Coutoense tem três respostas sociais dedicadas à terceira idade, mais concretamente, Centro de Dia, Serviço de Apoio Domiciliário e Lar de Idosos. Possui igualmente duas valências destinadas à infância, Jardim de Infância e ATL.


As rotinas diárias são sempre iguais. Todos os dias no Lar de S. Martinho a partir das sete horas da manhã é hora de recomeçar as primeiras tarefas do dia. De uma forma rotineira começa-se logo cedo pelos cuidados básicos de saúde, de higiene e de conforto a todos os idosos. As refeições equilibradas e sempre em horários rigorosamente cumpridos são também uma das preocupações desta instituição.
“Não é um trabalho fácil! Há momentos em que se tem de “tomar” uma dose extra de paciência, pois às vezes não é como se quer, não é simples… mas quando se faz as coisas com amor tudo parece mais fácil, e ao fim até acabamos por brincar e rir com as situações por mais absurdas que nos possam parecer…” “Acaba por ser uma honra poder cuidar de pessoas tão vulneráveis, que precisam tanto de nós, do nosso carinho e da nossa atenção. Acabamos, quase sem querer, considerá-los nossos, como se fossem da nossa própria famíliacomo nos explica Isabel Santos, auxiliar a trabalhar no Lar desde junho 2012.     
 “Trabalhar num lar, não é para qualquer um…é preciso dar muito de nós, e quando digo isto, não é dar o esforço do trabalho, mas sim o carinho e a atenção que eles tanto precisam. Eu gosto de aproveitar qualquer bocadinho que tenha para estar com eles, ouvi-los nem que seja quando lhes estou a prestar os cuidados de higiene ou a alimentá-los. Eles sentem-se bem ao serem ouvidos...”
Laurentina Rodrigues, 80 anos, utente do lar desde novembro de 2015, já um pouco impaciente por ainda estar na cama, acaba por desabafar connosco, enquanto não chega uma auxiliar para lhe prestar a ajuda necessária. “Felizmente, eu não necessito de muita ajuda, ainda tenho forças para me levantar, lavar e vestir, mas no entanto as meninas não passam sem vir dar uma mãozinha, e ainda bem porque as minhas dores não me largam!...”
Há muito que fazer, mas nos corredores transparece uma calma que contraria toda a azáfama envolvente. Todo o trabalho é feito metodicamente para que não se perca tempo e não haja atrapalhação. Enquanto umas auxiliares continuam a cuidar da higiene dos idosos, outras vão tratando da primeira refeição do dia. Ouvem-se diálogos sem sentido, algumas frases descoordenadas. Os mais lúcidos escutam, os menos impacientam-se.
No meio de toda a “correria”, numa luta contra o tempo, perguntámos novamente à auxiliar que nos acompanhou sempre com um sorriso no rosto: Tem paciência para ouvir “as suas histórias de vida”? Paciência? Tenho! Muitas vezes não tenho é tempo…”
Tudo é pensado ao pormenor! Desde os cuidados de saúde, as refeições equilibradas, os cuidados de higiene básicos, não esquecendo, o incentivo permanente para que estes idosos se mantenham ativos tanto física como mentalmente. Esse trabalho é feito em grande parte pela animadora que todos os dias procura encontrar atividades e estratégias diferentes com o intuito de manter os seus utentes ativos e sempre ligados às suas raízes, promovendo-lhes assim um envelhecimento ativo.
Todos os recursos disponíveis na pequena comunidade são canalizados para proporcionar momentos diferentes aos idosos deste Lar desde as várias atividades entre gerações com os meninos do jardim e do ATL, grupos de jovens que vêm cantar e representar, sessões de fado, grupos corais, entre outras atividades, como nos relata Dora Lemos, 33 anos, Animadora, a trabalhar no Lar desde 2013.
 “Tanto no lar, como na valência de centro de dia, promovemos diariamente diversas atividades com os idosos, desde pintura, dança, música, jogos tradicionais, jogos de estimulação cognitiva, contos, pequenas histórias, teatro, culinária, cinema, ginástica (duas vezes por semana, orientada pelo professor de ginástica) entre muitas outras, temos um leque muito diversificado…assim podemos agradar a todos!”
Laurentina Rodrigues, quem a vê não lhe dá os 80 anos que o Bilhete de Identidade confere, deixa transparecer uma enorme vitalidade e energia. Depois do pequeno-almoço vou para a sala de atividades. Tenho sempre que fazer, desde pinturas, escrita, jogos em grupo, cantar…eu gosto tanto de cantar, quando veio cá a fadista foi tão bom!…nunca estou sem fazer nada, assim ajuda-me a passar o tempo sem ter de pensar nas dificuldades que passei antes de vir para o lar. Estava sozinha em casa. Os meus filhos têm a vida deles e estão longe, de oito filhos que tenho estão todos emigrados, embora me ligassem todos os dias, sentia-me só e a minha saúde também já não ajuda...”
Até à hora de almoço, enquanto as auxiliares se encarregam da limpeza dos quartos e partes comuns, há sempre um tempinho para auxiliar os utentes que necessitam de outro tipo de cuidados. A equipa de saúde “faz a ronda” aos que precisam de cuidados mais exigentes.
 Alguns dos idosos são encaminhados para a sala de convívio, onde não é permitido desistir dos movimentos básicos, como andar. “Toca a mexer!” ordena o professor de ginástica. Movimentos de ginástica que tentam estimular a apatia em que muitos se encontravam antes de entrar para o Lar.
Com um brilho no olhar, a animadora Dora Lemos ainda refere que  “ocasionalmente, organizam saídas ao exterior, visitam lugares de interesse para os utentes e com mais frequência até fazem uns piqueniques… São sempre momentos de alegria e convívio também com as funcionárias.
“Todas as semanas há também um momento especial para os mais devotos… É-lhes proporcionado o momento de oração onde rezam o terço e onde lhes é dada a comunhão. Esporadicamente celebra-se a missa nas instalações do Lar presidida pelo pároco da freguesia. É mais uma forma de abrir portas à comunidade.”
A partilha é sinal de confiança no trabalho desta instituição…e essa confiança conquista-se através de um grande trabalho em conjunto, sempre em prol do bem-estar e da satisfação dos seus utentes, assim como dos seus familiares.
Surgiu assim a iniciativa “Instituição Aberta”. A porta deste Lar foi aberta aos familiares e à comunidade envolvente para os muitos momentos de grande confraternização como a “Festa da Família”. Emocionada a Animadora conta que esta festa surgiu há mais ou menos três anos, parece pouco, mas é quase o tempo da nossa existência, pois a valência do lar só abriu em Maio de dois mil e doze, com o intuito de responder ao nosso grande objetivo que era envolver os familiares no nosso dia-a-dia. E a meu ver acho que estamos a conseguir! Tal como diz o nosso slogan “Servir para cuidar, porque juntos cuidamos de vidas”…e porque o caminho se faz caminhando, vamos todos caminhar juntos!”
A participação dos familiares na vida dos idosos e na orgânica da instituição é fundamental para que haja uma perfeita adaptação da pessoa institucionalizada, assim como uma base de confiança entre instituição, utente e família.
No Lar de São Martinho o jantar é começado a servir às dezanove horas da tarde.  Uma auxiliar vai distribuindo a refeição, enquanto outra, para que não haja enganos, vai dando a medicação obrigatória. Enquanto iam servindo os mais impacientes, sim porque a hora de deitar é sagrada e todos querem ser os primeiros, perguntámos à auxiliar há quanto tempo trabalhava no Lar e se tinha algum curso de geriatria. “Para tratar de idosos é preciso, acima de tudo, sermos muito humanos. Depois ter muita paciência, claro. É um trabalho muito cansativo, tanto ao nível físico, como psicológico. Mas gosto muito do que faço!”
É hora de começar a deitar. Mais uma vez são feitos os cuidados de higiene e depois do pijama vestido é hora de apagar a luz, mas antes ainda há tempo para um carinho e os desejos de uma boa noite.
Laurentina Rodrigues já está pronta para se enfiar na cama. Se não fossem as atividades ao longo do dia, a rotina era sempre a mesma. Mas as atividades não deixam haver rotinas iguais. Embora me sinta bem aqui, pois tenho todo o conforto e carinho, não esqueço a minha casinha. Mas sei que assim os meus filhos estão mais descansados, pois sabem que me tratam bem.”
Amanhã haverá rotinas que se repetem... Os dias passam iguais.... O relógio não pára… Todos tiveram vidas e vivências diferentes. Todos sorriram, sofreram, amaram e foram amados. Mas todos, sem exceção, sabem que um dia tudo acaba. Tal como nos filmes, surgirá no ecrã a frase “THE END”.

Aurores: Sandra Figueiredo e Marco Almeida

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